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A Emenda Constitucional nº 115/2022 como marco civilizatório do direito à privacidade e à proteção de dados pessoais


31/03/2022 16:53
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Em reforço a textos anteriores, em que já foram detalhados diversos pontos a respeito da proteção de dados pessoais, bem como da sua tremenda importância para as relações atuais, principalmente no âmbito digital, mais uma vez retomamos ao tema para da apresentar as pertinentes considerações da grande conquista, decorrente da promulgação da Emenda Constitucional nº 115/2022, a respeito da proteção dos dados pessoais e da privacidade.

A Emenda Constitucional em questão, publicada em 10 de fevereiro de 2022, acrescentou dispositivos à Constituição Federal de 1988 relacionados ao Direito Fundamental à Proteção de Dados Pessoais, que passa a fazer parte do rol de direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição. Não bastasse isso, fixou-se a competência privativa da União para legislar sobre o tema, bem como para organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais.

A relevância social do tema, bem como as implicações na estrutura constitucional implantada pela Emenda Constitucional 115/2022, refletem a importância da proteção de dados na atualidade, principalmente no meio digital, porque reforçou o entendimento dos Tribunais Superiores acerca da matéria.

De início, válido destacar que quando se modifica um dispositivo no texto constitucional, diversos outros pontos sofrem alterações implícitas ou explícitas, tendo em vista que a Constituição Federal deve ser interpretada de forma unitária, não comportando contradições.

Neste sentido, com a inserção da Proteção de Dados ao rol de Direitos Fundamentais, duas questões foram expressamente definidas pela própria Emenda Constitucional, as quais referem-se à fixação da competência legislativa e administrativa da União para tratar do tema. Outros pontos, entretanto, foram abrangidos de forma menos explícita.

O primeiro dispositivo incluído na Constituição Federal, em razão da Emenda Constitucional nº 115/2022, foi o inciso LXXIX, no artigo 5º, que passa a ter a seguinte redação:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)

LXXIX – é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.

 

Apesar da inclusão deste dispositivo aparentar-se simplória, este acréscimo constitucional elevou a Proteção de Dados Pessoais ao patamar de direito fundamental explícito. O Presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, em comentário sobre a grande conquista, explanou que:

 

“O novo mandamento constitucional reforça a liberdade dos brasileiros, pois ele vem instalar-se em nossa Constituição em socorro da privacidade do cidadão. As informações pessoais pertencem, de direito, ao indivíduo e a mais ninguém.”

 

Destaca-se que, à época da promulgação da Constituição Federal de 1988, não se visualizava a tamanha relevância e consequente repercussão jurídica que o tema do acesso a dados pessoais ganharia, principalmente em meios digitais.

Com a revolução tecnológica, a informatização dos dados e a propagação instantânea da informação por meios eletrônicos, surgiram novas problemáticas relacionadas à intimidade, segurança e privacidade do cidadão no que diz respeito ao tratamento, armazenamento, transmissão e sigilo desses dados.

Em relação aos dados pessoais, há alguns anos já existe recorrência do tema nos tribunais superiores, formando-se jurisprudência no STF e no STJ, como foi o reconhecimento, antes mesmo da promulgação EC 115/22, da proteção constitucional dos dados pessoais, fruto de interpretação judicial.

Em 2020, o STF se pronunciou nas ADI 6387, 6388, 6389 e 6390, no sentido de declarar a proteção de dados pessoais um direito fundamental implícito na Constituição, inserido nos incisos X e XII do art. 5º da CRFB/88, no que se denomina a chamada cláusula geral de privacidade:

 

Art.5º (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;  

(…) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

 

A matéria, conforme já fora apresentado em artigos anteriores, possui regulação infraconstitucional há algum tempo, inicialmente com o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) e pela Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/18), a qual regula o tratamento de dados pessoais em todos os âmbitos.

Assim sendo, com a constitucionalização do tema, e a inclusão da proteção de dados de modo explícito na Carta Magna, tem-se uma normatização completa e a elevação de sua proteção jurídica, categorizando-o, explicitamente, como direito fundamental.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva, de forma enriquecedora, explanou de fora assertiva sobre essa grande conquista:

 

“Trata-se de um marco civilizatório, que coloca o Brasil no mesmo patamar de proteção de direitos fundamentais que a Europa. Agora se completa a arquitetura legislativa da proteção de dados no Brasil. A positivação do direito fundamental à proteção de dados é fundamental para aprofundar a tutela da autodeterminação informativa no país, pois a LGPD tem caráter marcadamente instrumental.”

 

Ademais, não bastasse a elevação do direito ao nível constitucional, a proteção de dados pessoais fora inclusa como Cláusula Pétrea, conforme disciplina o artigo 60, §4º, IV da CRFB/88:

 

Art. 60 (…) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

IV – os direitos e garantias individuais.

 

Em sendo assim, por possuir status de cláusula pétrea, a Proteção de Dados não pode ser passível, no âmbito do Poder Legislativo, de proposta de emenda tendente a suprimir ou reduzir a proteção constitucional que lhe foi conferida. Ademais, qualquer norma infra legal que contrarie essa proteção será materialmente inconstitucional.

O novo acréscimo constitucional dispõe ainda que “o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais é assegurado, nos termos da lei”. Neste sentido, apesar de anterior à Emenda Constitucional nº 115 de 2022, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei 13.709/18) já é a responsável pela regulamentação do tema, dispondo sobre questões como armazenamento, tratamento, divulgação, segurança e sigilo de dados pessoais.

Também como acréscimo ao texto constitucional, restou definido que a competência administrativa para organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais é da União, o que consolida, neste caso, a atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

A escolha desta opção se deve ao fato de os dados pessoais, principalmente nos meios digitais, não possuem limite geográfico e, por conseguinte, devem ser objeto de medidas de proteção e fiscalização em nível nacional, prezando-se pelo tratamento uniforme da matéria.

Além da competência administrativa, a Emenda Constitucional nº 115/2022 também definiu a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais, tendo sido adicionado o inciso XXX ao artigo 22 da Constituição Federal, o que se justifica, também, diante da necessidade de um tratamento de âmbito nacional e uniforme acerca da proteção de dados pessoais.

Destarte, apesar dos acréscimos serem aparentemente simplórios, as consequências da Emenda Constitucional são extremamente relevantes, haja vista a elevação do tema ao nível máximo de direitos e garantias constitucionais.