A responsabilidade do sócio na falência da empresa Limitada
No dia 27 de janeiro de 2020, foi amplamente divulgada entre a comunidade jurídica a notícia de que o presidente do Superior Tribunal de Justiça havia concedido liminar para suspender uma penhora realizada sobre o imóvel do ex-presidente da VASP, Wagner Canhedo, por ter entendido que a decisão da penhora, dada em uma execução individual, havia violado “a competência da vara de falência”.
Com igual intensidade, porém, foi divulgada, no dia 11 de fevereiro de 2020, decisão do TRT-SC(RO nº 0000634-94.2014.5.12.0050) que destaca precedentes do Tribunal Superior do Trabalho que reconhecem que a Justiça do Trabalho pode redirecionar a execução de ações judiciais contra sócios de empresa falida.
Uma leitura superficial de tais notícias, desse modo, sem que se promova uma análise adequada do conteúdo das decisões envolvidas, pode levar o leitor a presumir uma (inexistente) contradição entre o posicionamento do STJ com o do TST.
Eis, então, o objetivo deste texto: condensar tais notícias de modo a ofertar ao leitor uma visão mais acertada sobre o entendimento jurisprudencial quanto ao tema “responsabilidade de sócio de empresa falida”.
Pois bem.
Em primeiro lugar há que se destacar que, em regra (sim, esta é a regra!), os sócios de uma empresa constituída sob formato em que os sócios possuam responsabilidade limitada não respondem por dívidas contraídas pela empresa (daí a naturalidade em se pedir a autofalência, instituto ainda pouco utilizado pelas empresas nacionais).
Para que o sócio, destas espécies de empresas, responda pelas dívidas relacionadas na falência, é de bom alvitre destacar, faz-se necessário o ajuizamento da ação de responsabilidade prevista no art. 82 da Lei n. 11.101/2005 ou, como tem autorizado parte da doutrina e alguns precedentes, a instauração de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica – IDPJ (art. 133 do CPC), em ambos os casos perante o Juízo Falimentar.
Com efeito.
Destacada essa premissa, podemos avançar e registrar que caso não esteja tramitando, perante o juízo falimentar, a mencionada Ação de Responsabilidade ou IDPJ, não há óbice que nas ações de execuções individuais (suspensas tão somente quanto à empresa) o juiz da causa promova a Desconsideração da Personalidade Jurídica para alcançar o patrimônio do sócio naquele processo específico.
É esse o cerne harmônico da decisão do RO nº 0000634-94.2014.5.12.0050 com a jurisprudência dominante do STJ, que passa a ser melhor apresentada.
Caso, no entanto, esteja tramitando perante o juízo falimentar uma Ação de Responsabilidade ou IDPJ visando apurar a responsabilidade dos sócios pelas dívidas da empresa falida, há que se reconhecer a impossibilidade de promoção de qualquer ato dos demais juízos de imersão no patrimônio dos seus sócios. Explica-se.
Uma vez que se esteja apurando a responsabilidade dos sócios pelas dívidas (todas elas) de uma empresa falida, possibilitar atos de penhora e constrição de bens de sócios em execuções de credores específicos certamente acarretaria em um indesejável prejuízo à igualdade de tratamento de credores de empresa falida (par conditio creditorum).
Ora, se os sócios de uma empresa falida praticaram atos abusivos ou fraudulentos, que estão sendo apurados perante o juízo falimentar e cuja procedência acarretará na responsabilidade pessoal dos sócios por todas as dívidas, o aconselhável (pela interpretação sistemática do sistema falimentar) é que se suspenda qualquer ato de constrição realizado em juízos distintos do falimentar, de modo a garantir que o patrimônio dos sócios permanecerá intacto até a resolução da discussão perante o juízo falimentar, assegurando que, em caso positivo, esse patrimônio seja utilizado para pagar os credores seguindo a ordem de preferência prevista na legislação.
Não se pode ter dois juízos distintos analisando o futuro de um único patrimônio para arcar com uma mesma dívida de um mesmo credor! Ainda mais quando autorizar a discussão fora do juízo falimentar significar dar liberdade para uma corrida individual em busca do patrimônio de um sócio que tenha praticado atos abusivos que impactam em todos os credores de uma empresa falida.
Esta é, em linhas finais, a exata compreensão da jurisprudência atual de nossos Tribunais Superiores. É assim, outrossim, que entendeu o Superior Tribunal de Justiça em Conflito de Competência (CC 159183/DF – 2018/0147615-5) no qual atuei representando a Suscitante, onde se declarou como “competente para qualquer ato de constrição ou alienação de bens ou valores da suscitante, na execução referida nos autos, o Juízo de Direito da Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Distrito Federal”, justamente por estar tramitando, neste juízo, Ação de Responsabilidade.
Caso não estivesse, repita-se, não haveria óbice para desconsiderações em processos individuais, apenas sendo impossibilitada a discussão individual quando tal apuração, conforme analisado neste texto, estiver sendo realizada no juízo universal da falência, em respeito à igualdade dos credores.
Leonardo Honorato Costa – Advogado e sócio do GMPR – Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi Advogados.
Fonte: Site Jota