Como funciona a deserdação dos filhos
O Código Civil elenca a relação de herdeiros legítimos, que por lei, terão direito a herança com o falecimento do antecessor. Inclusive, há proteção por lei dos herdeiros necessários, previsto no art. 1.845 do CC (ascendentes, descentes e cônjuge), os quais não poderão ser excluídos da sucessão, em regra, mesmo por testamento. Ou seja, a lei assegura aos herdeiros necessários, no mínimo, o percentual de 50% do patrimônio do testador.
Todavia, há a possibilidade de referidos herdeiros serem excluídos do direito a receber a herança, através do reconhecimento da indignidade ou deserdação.
O Código Civil estabelece algumas causas que podem levar à exclusão, entre elas:
1. Ofensa física ou moral ao testador – Quando o herdeiro comete uma agressão ou injúria contra quem está testando.
2. Tentativa de homicídio – Se o herdeiro tentar matar o testador, fica excluído da herança.
3. Comportamentos que comprometem a convivência familiar – Atos que atentam contra a dignidade da família, como abandono ou desrespeito.
Mais detalhadamente, sobre a exclusão, dispõe o art. 1.814 e seguintes do Código Civil:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.
Ou seja, havendo qualquer uma das hipóteses elencadas acima, o herdeiro considerado indigno será excluído automaticamente da sucessão, desde que tenha sentença transitada em julgado, seja por procedimento próprio deserdação, seja por sentença penal condenatória.
Mas, além das hipóteses elencadas acima, há a possibilidade do testador ou sucessor, antes do falecimento, proceder a deserdação, conforme hipóteses do art. 1.962 e seguintes do Código Civil. Vejamos:
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em testamento.
Portanto, caso o indivíduo detentor de patrimônio deseje dispor em testamento para deserdar um filho, haverá a possibilidade caso incorra nas hipóteses elencadas acima.
Todavia, é importante lembrar que a deserdação não é automática, pois o testador poderá manifestar a vontade, mas é o juiz que confirmará a deserdação.
Desta feita, caso o filho deserdado não concorde, pode ingressar com uma ação judicial para anular a cláusula testamentária que o excluiu da sucessão, devendo provar que o alegado não é verdadeiro ou justo.
Inclusive, recentemente, foi muito veiculado sobre o assunto em razão do falecimento do jornalista Cid Moreira, em 03 de outubro de 2024, o qual deixou testamento com cláusulas de deserdação dos filhos.
Como fundamento para a deserdação no testamento, o jornalista elencou processos cíveis e criminais entabulados entre eles. De tal modo, como já explicado acima, provavelmente será travada longa batalha judicial, cabendo a judiciário a decisão final.
Assim, fica evidente que para a deserdação devem haver motivos e causas válidas previstas na legislação, não sendo uma faculdade do testador. Logo, deve-se sempre haver uma consultoria jurídica especializada para que se possa, desde o testamento, reunir provas robustas acerca das alegações.