Acordo de Sócios e Contrato Social. Entenda as diferenças.
Contrato Social é o documento constitutivo da empresa, necessário para formalização da sociedade e que deve ser registrado na Junta Comercial ou no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, a depender do tipo societário escolhido.
Já o acordo de sócios é um documento fundamental para qualquer empreendimento que busca estabelecer uma base sólida e clara para a parceria entre os sócios. Essa ferramenta jurídica desempenha um papel crucial na definição de direitos, responsabilidades e expectativas, ajudando a prevenir conflitos e a assegurar o sucesso a longo prazo do negócio.
Fazendo um breve histórico acerca da origem do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, Larissa Aguiar Barros Heras Saba (in Aspectos contratuais do acordo de acionistas no ordenamento jurídico brasileiro e implicações relevantes. Revista de Direito Empresarial. vol. 9. ano 3. p. 99-126. São Paulo: Ed. RT, maio-jun. 2015) registra que:
"(...) O acordo de acionistas, por ser um modelo jurídico que tem por objetivo agregar interesses convergentes dos acionistas de uma companhia, era uma ferramenta bastante utilizada, antes mesmo de ser expressamente admitido no ordenamento jurídico brasileiro, o que ocorreu originalmente na vigência do Dec.-lei 2.627/1940, que previa, em seu art. 27, a possibilidade de criação de restrições estatutárias à circularização de ações nominativas, tendo sido tal regra reproduzida na lei posterior. No entanto, no que se refere às convenções de voto, referida norma era totalmente omissa, o que acabava por criar controvérsias na doutrina e jurisprudência. Diante da evolução das corporações societárias e dos precedentes encontrados no direito comparado, é possível perceber que o acordo de acionistas passou a ser uma realidade na vida societária brasileira, o que certamente colaborou para sua tipificação, com o advento da lei societária vigente, a Lei 6.404, de 15.12.1976 ('Lei das S.A.'). Referida lei representou o preenchimento de uma importante lacuna legislativa, já que o Dec.-lei 2.627, de 26.09.1940, não tratava expressamente do acordo de acionistas, o que ocasionava verdadeira insegurança jurídica para as partes que se envolviam em um acordo entre sócios.”
Desta forma, o acordo de sócios abrange uma variedade de aspectos, desde a distribuição de lucros até a tomada de decisões estratégicas. Uma das principais finalidades desse contrato é proporcionar um roteiro claro para resolução de litígios entre os sócios, assim como a possível estipulação de cláusulas também estratégicas que não ficariam disponíveis para terceiros já que o acordo de sócios não é arquivado na junta comercial.
Assim, tal documento pode ser vital para manter a estabilidade e a harmonia nos momentos desafiadores. A alocação de responsabilidades e a definição de funções específicas de cada sócio são elementos cruciais que podem ser destacadas já contratualmente, impedindo discussões a respeito do tema posteriormente estabelecendo quem será responsável por quais áreas do negócio, evitando eventuais mal-entendidos e garantindo que cada sócio contribua de maneira eficaz para o crescimento da empresa.
A entrada e saída de sócios também são aspectos que requerem atenção e um bom acordo de sócios deve incluir disposições claras sobre como novos sócios podem ser admitidos e sob quais condições um sócio pode sair da empresa. Essas cláusulas ajudam a manter a estabilidade e a equidade dentro da sociedade, mesmo diante de mudanças imprevistas como, por exemplo, o falecimento de um dos sócios ou até mesmo sua interdição e afastamentos por problemas de saúde.
É válido também destacar que o acordo de sócios não substitui o contrato social, mas traz a este um complemento e flexibilidade, além de informações peculiares da sociedade que não resta pública à terceiros.
Outrossim, também é importante registrar que não é possível que o acordo de sócios contenha regras que contrariem a legislação ou o Contrato Social da empresa, de modo que é importante a análise e a revisão jurídica adequada dos documentos societários antes da assinatura do acordo.
Também importante ressalvar que existem disposições que podem encontrar-se no contrato social e ter aspectos mais profundos determinados no acordo de sócios. A título de exemplo, destaco julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais a respeito de exclusão de sócio por justa causa, mas não prevista em Contrato Social, sendo declarada nula tal exclusão:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - EXCLUSÃO EXTRAJUDICIAL DE SÓCIO MINORITÁRIO POR JUSTA CAUSA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO CONTRATO SOCIAL - IMPOSSIBILIDADE - APLICAÇÃO DA DISPOSIÇÃO CONTIDA NO ART. 1.085, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL - RECURSO DESPROVIDO. - Nos termos do art. 1.085 do Código Civil de 2002 a exclusão de sócio dos quadros da sociedade por deliberação de seus pares pressupõe que haja previsão no contrato social da empresa acerca da exclusão por justa causa - Não havendo previsão no contrato social da empresa acerca da exclusão por justa causa, mostra-se irregular a exclusão do sócio minoritário dos quadros da sociedade, restando inviável, por consequente, a alteração do contrato social da empresa - Recurso desprovido. (TJ-MG - AC: 50147680420188130024, Relator: Des.(a) Ângela de Lourdes Rodrigues, Data de Julgamento: 09/05/2019, 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/05/2019)
Apesar de aparentemente o sócio ter agido com motivos suficientes para fundamentar uma eventual exclusão da sociedade, esta não se consumou em decorrência da não previsão contratual a respeito da exclusão de sócios, que poderia ter sido inserida em ambos os documentos ou, posta no contrato social de forma genérica e destrinchada no acordo de sócios.
Assim, é evidenciado que ambos os documentos são importantes para garantir o bom funcionamento e a harmonia na sociedade, especialmente em situações que envolvam conflitos ou divergências e devem receber uma atenção especial e individualizada para cada tipo societário e observando sempre as necessidades da sociedade em questão.