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O Projeto de Lei que visa alterações na Lei do Marco Civil da Internet no Brasil e o dilema “liberdade de expressão” x “Fake News”


27/09/2021 14:35
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A Lei do Marco Civil da Internet no Brasil (12.965/2014) possui a finalidade de estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Neste sentido, determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria, bem como prevê direitos e garantias dos usuários; e dispõe sobre a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos.

Decorrente, principalmente, da responsabilidade dos provedores acerca do conteúdo criado pelos usuários, surgiu a necessidade desses provedores desenvolverem meios e ferramentas capazes de identificar conteúdos inapropriados ou que infrinjam direitos autorais e conexos, a fim de suspenderem ou cancelarem publicações e até mesmo as contas dos internautas.

Nesse contexto, inserem-se as questões relacionadas a “liberdade de expressão” e as “Fake News”, um dilema que parece não ter fim, principalmente, diante das frequentes e exponenciais mudanças no mundo on-line.

É certo que tanto nos Estados Unidos, quanto nos países da Europa, a legislação acerca da matéria vem sendo rediscutida e evolui a passos mais firmes. Na Alemanha, por exemplo, da Netzdurchsetzunggesetz, em relação ao combate aos ilícitos digitais; e da Medienstaatsvertrag, que regulamentou um novo tratado para os meios de comunicação de massa.

Ocorre que, enquanto a tendência da regulamentação recente seja exigir dos provedores mais e melhores ações efetivas de avaliação e combate as Fake News, sob pena de multas elevadíssimas; no Brasil, com a edição da Medida Provisória nº 1.068/21 e, mais recentemente, com o envio de Projeto de Lei nº 3.227/2021 (com idêntica redação) ao Congresso Nacional, a direção legislativa aparenta seguir para outros mares.

Conforme sustenta o governo brasileiro, as novas regras visam garantir a liberdade de expressão, de comunicação e de manifestação de pensamento. Além disso, o texto apresenta a definição jurídica do que é “rede social”, inovando assim o marco civil ao estabelecer que apenas aquelas com mais de 10 milhões de usuários serão enquadradas em futura lei, se aprovada.

No contexto em que fora editada a Medida Provisória nº 1.068/21 e, agora, o Projeto de Lei nº 3.227/2021, mais uma vez veio à tona a discussão acerca da liberdade de expressão e das Fake News.

Sobre o assunto, o professor Ricardo Campos – docente assistente na Universidade de Frankfurt (Alemanha) – em artigo publicado no site “Folha de São Paulo”, apresentou pertinente reflexão. Segundo Ricardo Campos, para escapar desse binarismo (liberdade de expressão x Fake News), primeiramente, é necessário se perguntar o que legitima a onda global de reformulação das leis que regulamentam o uso da internet.

Como indicação de conclusão, o professor defende que a chave se encontra em dois pontos fundamentais, que são a intensidade das transformações do ambiente digital nos últimos anos e a semântica constitucional dos Estados Democráticos moderno.

Em relação ao ambiente digital atual, percebe-se que estamos vivendo o movimento denominado “plataformização da internet” (ligação indissociável entre as plataformas online e as estruturas sociais). Assim sendo, diante do tamanho poder que as publicações possuem no âmbito da internet, as novas legislações devem buscar a proteção de instituições e de direitos individuais.

Neste diapasão, insere-se a avaliação acerca da moderação de conteúdo. Conforme ensina Ricardo Campos, neste novo cenário, com poucas aplicações de internet têm-se verdadeiras infraestruturas de comunicação cotidiana da população. Assim, como consequência dessa facilidade, o direito, além de estimular a autonomia privada, também deve assumir o papel de protetor dos direitos individuais e coletivos.

Faz-se importante, por conseguinte, não confundir liberdade de expressão individual com plano estrutural que administra a liberdade de expressão. Enquanto este é primordialmente de trato público, ou seja, de interveniência governamental para criação das regras, a liberdade de expressão individual deve ocorrer de forma simplificada, mas garantindo aos cidadãos a implementação de deveres procedimentais – para a transparência da análise pelos próprios provedores – e o acesso à justiça, sempre que o usuário se sentir prejudicado em relação a sua liberdade de expressão.

Destarte, diversas críticas acerca do recente Projeto de Lei nº 3.227/2021 (com idêntica redação da MP nº 1.068/21) foram levantadas, principalmente acerca de uma possível forma de moderação de conteúdo não tão transparente e realizada por órgão público ligado ao governo, bem como o excesso de exigências para os provedores suspenderem ou mesmo cancelarem publicações e contas.

Como se percebe, o dilema entre liberdade de expressão e Fake News permanece ativo. Aguarda-se, por ser momento oportuno, que os debatas sobre o Projeto de Lei sejam objetivos, técnicos e congruentes com a realidade digital do Estado Democrático moderno.