Essencialidade E Seletividade Em Pauta Diante Das Recentes Medidas Econômicas


Em artigo publicado em maio de 2021, discutimos os conceitos de essencialidade e seletividade do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), obrigatória e facultativamente seletivos, respectivamente, nos termos dos artigos 153, §3º, I e 155, §2º, III da Constituição Federal.

Mais uma vez o assunto está em pauta, por recentes medidas econômicas adotadas pelo governo federal e pelo Governo de São Paulo, o que demonstra sua importância.

Em 2021, o governo paulista revogou isenção de medicamentos e produtos hospitalares destinados à hospitais, casas de saúde e clínicas particulares, mantendo a isenção apenas para as referidas mercadorias destinadas à rede pública.

Afirmou-se, na época, que a alteração decorreu da necessidade de aumento de arrecadação. A alteração gerou diversas discussões, visto que não há dúvida de que medicamentos são itens essenciais. Recentemente, por meio dos Decretos Estaduais nº 66.387 e 66.390, ambos de 28/12/2021, o Governo de São Paulo restabeleceu as isenções, a partir de 1/1/2022, anteriormente revogadas, afirmando que as medidas adotadas no ano passado auxiliaram na sua recuperação fiscal, possibilitando o retorno das isenções.

Por sua vez, o governo federal anunciou a redução de alíquota do IPI, por meio do Decreto nº 10.979 de 25.02.2022. Com vigência imediata, justificou-se a medida na necessidade de incentivar a indústria nacional, reaquecer a economia e gerar novos empregos, para reduzir os impactos da crise econômica dos últimos dois anos.

A medida encontrou limites nos benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus, cujos parlamentares, inclusive, demonstraram preocupação, visto que, nos últimos anos, diversas indústrias encerraram suas atividades na região e a concessão de benefícios em todo o território nacional reduzem as chances de novas indústrias optarem pela sua instalação na Zona Franca.

Por último, por meio da Resolução GECEX nº 306, publicada em 2/2/2022, o governo federal decidiu zerar o imposto sobre importações de balões, jet skis e dirigíveis, cuja alíquota original era de 20%. Justificou-se a retirada do imposto pela inclusão do item na Lista de Exceções Brasileiras à Tarifa Externa Comum do Mercosul (Letec).

Não há dúvida de que mercadorias e serviços básicos, ou seja, aquelas de primeira necessidade, devem ser menos oneradas do que os produtos considerados supérfluos, que, a rigor, deveriam ser tributados com alíquotas mais significativas.

No caso do ICMS dos medicamentos, o questionamento, que classificamos como legítimo, surgiu justamente por se tratar de itens de primeira necessidade. Não poderia o estado de São Paulo ter aumentado sua arrecadação com a revogação de isenção de outras mercadorias? A finalidade não seria atingida da mesma forma, protegendo-se o acesso aos medicamentos?

As recentes reduções de IPI podem, sim, ser justificadas pela necessidade de se impulsionar a economia, uma vez que a seletividade é utilizada como instrumento de política econômica e fiscal, estimulando operações ou prestações úteis e convenientes ao Estado e coletividade e desestimulando operações que não atendem ao referido critério.

Tributos seletivos podem ser utilizados não apenas para fins fiscais, mas ter caráter extrafiscal, com finalidade de intervenção na economia, o que, inclusive, é previsto na Constituição Federal.

Embora, em um primeiro momento, as reduções de IPI concedidas sejam viáveis e possíveis legalmente – registre-se, inclusive, instrumento comumente utilizado pelo governo –, reduções concedidas de forma irrestrita podem trazer questionamentos sobre a sua legalidade, uma vez que nem todos os setores sofreram com a economia nos últimos anos. Ademais, as reduções concedidas podem realmente ter impacto para a Zona Franca de Manaus, o que não pode deixar de se observado pelo governo federal.

Lembramos que essencialidade não é um conceito determinado e não tem definição legal. Mas deve observar limites: elementos do produto, sua necessidade e as necessidades da comunidade, mercado e suas características.

No caso do imposto de importação, o artigo 153, §1º da Constituição autoriza o Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as suas alíquotas. Embora não se tenha, na Carta Magna, determinado a observação da seletividade para o imposto de importação, como foi feito para o IPI e o ICMS, não há nenhuma proibição para se adotar tal princípio, que se demonstra razoável também para limitar ou, pelo menos, para balizar eventuais benefícios do referido imposto.

Zerar o imposto de importação de balões, jet skis e dirigíveis, neste momento, ainda que pela justificativa da Lista de Exceções Brasileiras à Tarifa Externa Comum do Mercosul (Letec), pode levantar questionamentos de outros setores econômicos, bem como dos contribuintes, por se tratar de itens não essenciais.

A análise deve ser sempre individualizada e considerando as peculiaridades do produto e seu mercado, público-alvo, economia, interesses dos entes da federação, relações internacionais. Elementos fiscais e extrafiscais. Eventuais desvios, devem ser objeto de questionamento, inclusive judicial, se for o caso.

 Fonte: Site Jota